sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

O Livro: Crônicas do Urso (26)

Urso ~~ Capítulo 18 ~~ Morcegos e a História das Quatro Cores

Quando o Urso acordou do desmaio, rapidamente olhou ao redor. Tudo ainda estava escuro. Olhou o relógio, e deu um suspiro de alívio quando percebeu que ficou inconsciente muito pouco tempo. Fez uma rápida checagem em si mesmo e não estava ferido. Então, voltou sua atenção novamente para aquele lugar. Não viu olhos, nenhum barulho. Apenas a escuridão. Será que teria sido um sonho?
- Bem, - Disse o Urso se levantando - deve ter algum lugar para iluminar isso aqui. Antes de mais nada, - Começou a tatear a parede em busca de um interruptor - preciso enxergar.
Porém aos poucos, os olhos do Urso começaram a se adaptar no escuro, e, com a ajuda da pouca iluminação que a lua cheia dava, ele conseguiu ter um ideia do tamanho do lugar. Ainda não conseguia distinguir tudo, mas não era um local muito grande. O único objeto que ele identificou foi uma cadeira velha. E estava olhando para ela quando achou algo na parede. 
- Achei! - E forçou o dedo naquilo como se fosse o interruptor. Então aquilo deu um grunhido estridente e o Urso tirou a mão rapidamente. Depois de um tempo imóvel, percebeu que aqueles grunhido continuava, porém de uma forma triste e melancólica, como se fosse algo chorando. O Urso tateou um pouco acima e achou um interruptor. E então, fez-se a luz.
Primeiro, acendeu uma lâmpada acima dele, depois, seguindo um fio a sua frente, acendeu-se outra, a terceira falhou, a quarta deu umas piscadas para acender totalmente e a sexta só acendeu quando a última das 10 lâmpadas acendeu. A nona também não acendeu. Elas faziam um contorno ao redor da caverna, ao redor daquela fenda. Mas dava para perceber que a escuridão mais ao fundo escondia mais coisas. Então o grunhido ficou forte, e o Urso olhou para a parede da caverna. Era um morcego. O Urso pulou para trás. O morcego olhou ferozmente para ele, com olhos vermelhos, como se abominasse o Urso. De repente, seus olhos começaram a ficar azuis e ele abaixou a cabeça. O Urso tentou se aproximar, mas o animal percebeu e seus olhos ficaram novamente vermelhos e ele tentou avançar. Então ele soltou um grunhido de dor, e seus olhos ficaram azulados de novo e ele se encolheu.  O Urso deu passo para trás e ficou admirando aquilo com olhos espantados.
- São morcegos das cavernas... - Disse um dos fantasmas.
- Ah! - O Urso deu um pulo - Por Tanásia! Se aparecer assim novamente, eu juro... - Fechou as patas como se fosse dar um soco.
- Opa, calma, desculpe. 
O Urso suspirou: - Morcegos das cavernas hein?
- Isso. São morcegos raros. Estão quase extintos. Eles são muito caçados, principalmente por causa de seus olhos. Eles mudam de cor. 
- Mas só por isso?
- Digamos que, quando são arrancados, seus brilho e sua cor nunca acabam, nem mesmo desbotam. São exuberantes e lindos. Mas não adaptáveis a muita espécie de seres. Por exemplo, esses olhos podem servir para determinadas espécies como um "novo olho". Uma águia humanoide cega perdeu para sempre sua visão aguçada, mas com um olho desses, vai poder enxergar o mundo novamente. Claro, vai enxergar ele todo vermelho, ou azul, mas vai enxergar. Eles também servem para amuletos. Esses olhos podem ser mantidos úmidos após a extração para conceder novamente a visão a alguém, ou pode ser entalhados, modificados, ou apenas serem secos e servirem de enfeite ou amuletos. 
- Amuletos? Representam o quê?
- Você percebeu que eles mudam de cor, correto? Vermelho, quando estão se sentindo ameaçados, azul quando estão sofrendo, amarelo quando expressão afeição, e, por fim, verde, quando estão felizes demais. Os amuletos de olhos são baseados nesse significado. Na cidade aqui perto deve ter algum lugar que venda isso. Mas provavelmente você achará apenas vermelhos ou azuis.
- Por que?
- Pelo motivo óbvio. Digamos que lhe deem uma lebre para cuidar num acampamento. Ela possivelmente servirá de janta algum dia que não tenha comida suficiente. Mas por ora, é só um animalzinho. Você ficará com ela, se apegará a ela, e ela se apegará a você. E então, quando chegar o fatídico dia, ambos vão sofrer muito. Seria muito mais fácil matá-la no começo do que sofrer tanto assim naquele momento. Mesma coisa com os morcegos. O "caçador" vai conseguir os olhos lutando ou pegando eles em armadilhas. Daí que a maioria é vermelha e azul. Só quem tem a mente muito forte e o coração muito vazio, consegue  "cultivar" esses morcegos e matar eles quando eles estão o amando e felizes. 
- Mas não é mais fácil esperar que morram com o tempo? Pela ordem natural da vida?
- Seria muito simples assim né? Esses morcegos demorar a morrer, em média vivem 100 anos. Mas não se reproduzem com muita frequência. Eles tem uma época específica, num lugar específico, e com outros trecos entre eles também. Qualquer coisa errada, eles abandonam e deixam para a próxima. Enfim, esperar eles morrerem está fora de hipótese. Até porque, quando morrem de velhice, por incrível que pareça, seus olhos são os primeiros a morrerem. Em alguns começam um mês antes, noutros, uma semana. Seus olhos começam a ficar cinzas, e a perder o brilho. E, quando já não há mais cor, não há mais vida também.
O Urso ficou pensativo. Olhou para aquele morcego. Seus olhos azuis eram lindos, e os vermelhos também. Eram a coisa, o objeto, mais lindo que já vira. O Urso foi até lá. Pegou o morcego machucado e colocou em cima de uma mesa acabada que estava por perto. O morcego, apesar dos olhos vermelhos, não conseguia nem lutar. O fantasma disse:
- E então, vai pegar olhos vermelhos ou azuis? Quando se mata um morcego, independente da cor, ela permanece. Digamos que por interromper o ciclo da vida, você interrompe o processo do olho ficar cinza ou mudar de cor. 
- Nem uma coisa, nem outra. Eles me parecem serem muito sozinhos, medrosos e com ódio do resto do mundo. Agora se me dá licença...
E o Urso começou a tratar das feridas do morcego.
O fantasma atrás dele sorriu, e desapareceu novamente na escuridão.
(CONTINUA...)

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